A moça elogiara o cabelo de Graça. Um elogio, apenas gratuito. De graça. A menina tinha vontade de elogiá-la também, retribuindo, como tem de ser. Mas não conseguira, semáforo aberto, apenas reparara no tom vermelho, batom da boca da moça, boca bem desenhada e fina. A moça era bonita. Mas não recebera elogios. O sinal abriu e Graça muito se ateve ao batom e às listras branco-vermelhas daquele uniforme. Ateve-se tanto que até se esqueceu. Por se ater, esquecia-se com frequência de falar. Mas via tudo. As coisas, naquela tarde, passavam por ela como há muito não acontecia. Um ponto de ônibus lotado de trabalhadores e estudantes, como antes.
E, sob o mesmo ar vespertino, era de novo a menina que corria ruas. A vida seria correr ruas tão doces e sujas. A vida seria se ater a postes, luzes, ventos, canteiros, árvores, olhares, sorrisos e até a pessoas inteiras. A vida apressava-se com o sol e dançava com a lua. E, de sol-a-sol, formava-se num eterno presente que pensa o futuro. E, de tão terno presente de vida, Graça, lindamente humana, não o recebia com a devida gratidão. Estava longe dos santos.
Restava-lhe então ir. Rir. Mas aquele riso assim sem graça - de quem apenas ia - às vezes divinamente se esquecia de ser amarelo. Aí se engraçava. Graça enchendo-se de si. Engraçando-se aos poucos. Esforçava-se então: não cobraria mais nada de Deus. Tampouco duvidaria da Bondade. Dar-se-ia. Dar-Lhe-ia, apenas grata, sus gracias.
(Luana Borges)